quinta-feira, 2 de junho de 2011

Mãe

Folhas secas, galhos secos, tons de dourado burrifados por toda a planicie. Ao derredor o horizonte se mostra cada vez mais perto. Arterias e veias traçam em alto relevo um retrato do tempo na pele cada vez mais fina de mãos tão queridas. Pequenas manchas nos guiam nas esguías estradas da memória, e nos mostram com clareza retratos aveludados do fraco que um dia foi forte. Não há piedade no tempo, não há misericórdia, tirando lentamente os segundos que jamais dará de volta. Um sorriso, e num lapso retorno para mergulha nos olhares de amor do presente. Seus lábios se movem lentamente, sem pressa, e longe ouço risadas que sem saber acompanho no ritmo. Seus braços me envolvem e só desperto para sentir o beijo que molha minha bochecha. Outro olhar e navego de volta ao passado. Ela era forte, alta, tão rápida. Tinha sempre uma solução para tudo. Mais palavras, e os lábios continuam dançando num ritmo desconhecido. Em mim um desejo de parar o tempo, desejo que nada faz a não ser derreter de meus olhos, e me lembrar que nada pode contra o tempo. Se é assim, que seja, afinal, um dia terei as mesmas tatuagens nas mãos, e minhas manchas serão guias para outrém. E, quando se for, certamente velejarei no mesmo barco, e nos encontraremos numa terra onde o tempo nada será senão lembrança.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Dois poemas de xadrez

Bom, nunca foi minha intenção transcrever aqui poemas de outrém, mas percebi que nem mesmo o google encontrou estes. Então fica com vocês um pouco do que é o xadrez.


"Em seus soturnos cantos, os jogadores
movem lentas peças. O tabuleiro
os atrasa até a aurora, em seus severos
contornos, onde se odeiam duas cores.
Dentro irradiam mágicos rigores.
As formas: homérica torre, rápido
cabalo, rainha armada, rei atrás,
bispo oblíquo e peões agressivos.
Quando os jogadores se forem,
quando o tempo os tenha consumido
certamente não terá cessado o rito.
No oriente se acendeu esta guerra,
cujo o palco é hoje toda a terra.
Como o outro, este jogo é infinito.
Tênue rei, dissimulado bispo, guerreira
rainha, torre direta e peão ladino
sobre o preto e o branco do caminho
buscam e livram sua batalha armada.
Não sabem que a mão marcada
do jogador governa seu destino,
não sabem que um rigor adamantino
sujeita seu arbítrio e sua jornada.
Também o jogador é prisioneiro
(a sentença é de Omar) de outro tabuleiro
de noites pretas e brancos dias.
Deus move o jogador, e este, a peça.
Que deus atrás de Deus o enredo inicia
de pé e tempo e sonho e agonia?" (Jorge Luis Borges)

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O xadrez e a guerra

Os cavalos articulam
uma leve inclinação;
Os bispos, altaneiros,
esperam com precaução.
O rei saúda suas torres
e a artilharia menor
revisa com impaciência
sua melhor colocação.
A rainha branca, zelosa,
ao rei declara amor,
deve estar sempre próxima,
para lhe dar proteção.
Em frente, seus oponentes
ultimam as operações;
suas cores são distintas
mas não seu coração.
Um soldadinho valente
avança em sua posição,
Deixando atrás o monarca
que lhe dá aprovação.
A rainha negra, coquete
ao bispo pede opinião,
românica insinua
que comece a ação.
Um cutucão no soldado
duas casas avançou,
A sua espada sorri
o peão do outro bando.
É um combate de morte,
de força e precisão,
em uma guerra perfeita
onde o ódio e a dor
se convertem em beleza,
sonho, aventura e amor. (Antonio López Manzano)

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López Manzano, Antonio. O xadrez dos grandes mestres: 400 conselhos para melhorar seu nível enxadrístico; trad. Abrão Aspis. Porto Alegre, Artmed, 2002.